Amigos leitores, preciso fazer uma confissão. Eu juro que tentei. Passei três dias com o editor de textos enfiado na cara procurando argumentos para construir um artigo sério, uma comparação sensata entre o recente remake de A Hora do Pesadelo e o filme original de 1984. Acabei por descobrir duas coisas. Uma delas, eu para crítico de cinema sou um zero à esquerda. A outra? Simplesmente não dá. Não tem como falar algo a respeito desse remake e conter o escracho. Peguemos como comparação a refilmagem de Sexta-Feira 13. É um filme bacana, que homenageou os três primeiros episódios da série original, fez várias referências à franquia e terminou por agradar a maioria das pessoas que assistiram. Houveram certas mudanças, como o fato de terem transformado o Jason num brutamontes um pouco mais inteligente e ágil, mas nada tão drástico a ponto de despertar a ira dos fãs. No máximo lembrava o assassino dos primeiros filmes que corria atrás de suas vítimas
Vários dos remakes lançados nos últimos anos compartilham dessa ideia. O conceito inicial é mantido e os roteiristas e diretores adicionam algumas novas situações, que para o bem ou para o mal acabam formando o conjunto da obra. O diretor Samuel Bayer e os roteiristas Wesley Strick e Eric Heisserer também tentaram trilhar este caminho, porém se empolgaram demais com o negócio e acabaram mudando muita coisa. E digo mais, as ideias de mudança dos meliantes foram algumas das mais ridículas entre todos os scripts recriados para essas refilmagens dos clássicos modernos de horror. Eles tiveram a coragem de juntar a maioria das características do filme de 1984 e levá-las para outra direção. Sério, a impressão que dá quando se assiste ao remake deve ser a mesma de pegar uma estrada que você tem certeza onde vai dar e ela acabar te levando para um caminho diferente. E um caminho ruim.
Mas vamos por partes, só avisando que este artigo tem spoilers a dar com o pau sobre ambas as produções. Enfim, o filme original começava muito bem com as mãos sujas do assassino construindo sua arma, a famosa luva com garras. Surge a tela título e logo vemos uma cena envolvendo uma garota sozinha e perdida em um corredor sendo atormentada por uma voz sinistra que chama pelo seu nome. Uma figura macabra que espreitava ao redor passa a persegui-la até que a garota acorda e nós descobrimos que aquilo era apenas um pesadelo. Já o remake começa com uma sequência apresentando alguns locais que fazem parte da trama e corta para uma cena em um restaurante envolvendo um rapaz sonolento que começa a caminhar pelos cantos. Ele é atacado por uma pessoa estranha armada com uma luva de navalhas e também acorda assustado descobrindo que estava tendo um pesadelo. A diferença é que ele desperta no mesmo lugar em que estava quando visitou o mundo dos sonhos.
Esse início é sem sombra de dúvidas a melhor parte do remake, mesmo que o jovem citado volte rapidamente a dormir apenas para ser assassinado por Freddy. A tela título é apresentada no melhor estilo Jogos Mortais, com uma cena impactante seguida pelo nome do filme. Para os fãs e saudosistas parece um prato cheio, já que o respectivo logo ainda surge com a clássica trilha sonora original tocando ao fundo. E apesar do desperdício de um personagem deveras interessante, esta é uma sequência que faz jus ao original. Veja bem, temos um pesadelo, um ataque de Freddy Krueger e alguém acordando com uma sequela, no caso um corte na mão. No primeiro filme, a personagem Tina, aquela guria do corredor, acorda e percebe quatro cortes em sua camisola. É o sinal para o espectador notar que tudo aquilo não é apenas um pesadelo comum. É algo que cria um suspense mesmo que já se conheça a história.
Infelizmente a partir daí o remake passa a subverter as ideias e a jogar sustos fáceis na cara do público. O próprio funeral do rapaz morto no inicio já passa uma noção de como o roteiro irá lidar com certas situações. Uma jovem, que faz a vezes da personagem Tina nessa refilmagem, nota que está presente em uma das fotos de infância do falecido colada em um mural. Ela estranha o fato, pois acreditava não ter conhecido o amigo morto na época em que ainda eram crianças. E essa é a primeira das muitas mudanças que levam o remake para outro rumo. No original, as vítimas de Freddy Krueger eram os adolescentes moradores da Rua Elm. Mesmo com a trama centrada em apenas quatro personagens, a impressão que temos é a de que qualquer garoto que vivesse naquela rua potencialmente poderia ser atormentado pelo assassino sobrenatural. Aqui o grupo é limitado a algumas crianças que estudavam em uma pré-escola onde o Freddy Krueger trabalhava.
Opa, Freddy Krueger trabalhando em uma pré-escola? É isso aí meus caros amigos. O mestre dos pesadelos foi rebaixado de operário serial killer para jardineiro pedófilo em uma escola infantil. Nesse remake, o Krueger não matou ninguém quando estava vivo, enquanto no original haviam cerca de vinte crianças que tiveram as suas vidas retiradas pelas afiadas garras do assassino. A pergunta que não quer calar: Para que diabos ele precisava de uma luva com navalhas se não matava ninguém? Fetiche macabro? Não, apenas uma das reviravoltas geniais criadas para o remake. Só nessa mudança já conseguiram acabar com dois dos fatores que faziam o filme original ser tão interessante. Não temos mais um sentido para a arma de Freddy e a sua vingança é direcionada apenas a um grupo fechado de pessoas. Se o psicopata sobrenatural matasse todo mundo da escolinha o que ele iria fazer depois? Descansar em paz?
E falando na vingança, mais um aspecto deformado pelo roteiro. Na história do filme original, após ter cometido diversos assassinatos, o Freddy Krueger acaba por ser preso pela polícia. Porém, devido a um erro de processo durante o seu julgamento, o assassino é injustamente libertado. Os pais da Rua Elm, não encontrando outra alternativa, decidem fazer justiça com as próprias mãos e encurralam o maníaco para então queimá-lo vivo. No remake, os civilizados progenitores mal cogitam a hipótese de acionar as autoridades. E nem ao menos estavam diante de uma situação tão aflitiva que pudesse justificar um assassinato. Eles simplesmente resolvem perseguir o jardineiro da escolinha e tacar fogo nele após ouvirem os relatos das crianças dizendo que o mesmo estaria abusando delas. Partindo desse ponto, ganhamos uma guinada nas intenções de Freddy Krueger. No original, o assassino persegue os adolescentes em seus sonhos justamente para punir os pais que o mataram, provando que nem a morte pôde pará-lo. Aqui ele deseja punir apenas aos filhos por eles o terem delatado na época em que ainda estava vivo.
Para piorar, os roteiristas ainda incluíram a estúpida possibilidade de tudo ter sido um engano e de que Freddy Krueger poderia ser inocente. No original nós somos informados sobre quem o maníaco era através de uma confissão da mãe da protagonista Nancy Thompson, que explica para a filha toda aquela história envolvendo o passado de Krueger, indo do julgamento até o assassinato. Essa cena é apresentada em um bom momento do filme quando as duas já se encontravam psicologicamente abaladas a ponto de a senhora Thompson abrir o jogo a respeito da selvagem atitude tomada pelos moradores da Rua Elm. No remake temos uma horrível sequência em flashback que mostra o então jardineiro Krueger todo feliz e sorridente trabalhando na pré-escola, tirando fotografias e brincando com a criançada. Tudo montado para que o espectador acredite que talvez os pais dos pequenos pudessem ter se equivocado em sua decisão de condenar o suposto pedófilo a morte. Para fechar com chave de ouro a brilhante ideia, o próprio Freddy Krueger resolve dar algumas dicas para que a molecada descubra através de seus pesadelos que ele realmente era culpado das acusações. E tome outros flashbacks - desta vez em sonhos – que mostram como o Freddy foi morto e ainda fazem mais algumas insinuações de que a verdade estaria escondida na agora abandonada escolinha.
Essa sequência da morte do jardineiro Krueger também serve como demonstração de mais um aspecto repugnante deste remake: As cenas com uso de computação gráfica. Em determinado momento é mostrado o corpo em chamas de Freddy Krueger correndo em direção à tela. O que podemos presenciar é nada mais, nada menos do que um dos mais imprestáveis efeitos digitais já produzidos na história do cinema. Acreditem. Vocês se lembram daquele antigo filme “O Passageiro do Futuro”, com o Pierce Brosnan? Pois então, as imagens em CGI desse filme são bem melhores. Se bobear, acho que esta cena perde até para o primeiro “Tron”. Vou ainda mais longe. É provável que qualquer zé-mané com tempo sobrando consiga fazer algo bem mais crível em seu computador de casa usando um Adobe After Effects da vida. Palmas para os produtores que resolveram enxertar os malditos efeitos digitais até na própria maquiagem do Freddy Krueger. É impossível não perceber o uso de computação gráfica quando a câmera dá closes no rosto do maníaco.
Outra mudança do remake diz respeito aos protagonistas. No original, o grupinho de adolescentes era formado pelos amigos Rod, Tina, Glen e Nancy. Pessoas normais que sofriam com um mal em comum, as relações conturbadas entre eles e os pais. O remake também possui uma turma de quatro jovens que desde o início da produção já são apresentados como debilóides perturbados metidos a revoltadinhos. E sequer existem maiores informações quanto aos pais deles além do básico, o que acaba com mais uma das boas ideias do filme de 1984. Inexplicável, assim como a iniciativa de manter apenas o nome da personagem Nancy e dar nomes diferentes a todos os outros. Para quê? Não faz sentido, já que mudaram tudo mesmo. E por falar em manter, uma coisa que teimaram em não deixar de lado são algumas cenas que também aconteciam no original. Legal não? Mudaram um calhamaço de aspectos e largaram outros momentos perdidos que remetem ao filme de 1984. O grande mal disso é que essas cenas passeiam pela tela sem nenhum sentido, vide o Freddy surgindo na parede atrás da Nancy, a amiga morta presa em um saco de cadáveres ou famosa garra no meio das pernas.
Mais uma mancada: As cenas de pesadelo. Elas devem ocupar cerca de 80% da duração do filme e ao contrário do original, em todas elas é possível descobrir que não se trata de alguma situação que esteja acontecendo no mundo real. O remake sempre dá um jeito de avisar o que é pesadelo e o que não é. Seja por mudar a cor dos cenários ou alterando ambientes inteiros do nada, como naquela parte em que a personagem Kris tem um sonho dentro da escola. Parece ou não parece que a intenção dos realizadores era a de transformar tudo o que tinha bom no A Hora do Pesadelo original em piada? Afinal, uma das grandes sacadas era justamente fazer com que o espectador ficasse perdido, sem saber quando começava o sonho e terminava a realidade.
Entretanto, sejamos justos. Nem todas as mudanças foram necessariamente ruins. O final, por exemplo, consegue ser um pouco melhor do que o desfecho original. Está certo, ainda tem a cena em que um dos sobreviventes decide injetar adrenalina no coração da protagonista usando uma técnica que deve ter aprendido em Pulp Fiction e também a morte do Freddy Krueger, no melhor estilo Jigsaw. Tudo bem, passa. O Freddy do Jackie Earle Haley, vá lá, também tem os seus momentos, demonstrando um ódio admirável e destilando algumas frases sádicas e maliciosas, mas infelizmente isso não basta para salvar o remake de tantas ideias esdrúxulas atiradas na tela. É claro, existem aqueles que irão gostar de todas essas reviravoltas, mas acredito que entre esses não se encontram nenhum dos fãs das antigas do primeiro filme ou mesmo da franquia em geral. Para essas pessoas, o gosto que fica quando as luzes se acendem não é nada saboroso e a única coisa que acaba sendo memorável é a clássica baladinha “All I Have to Do Is Dream” dos Everly Brothers, executada durante os créditos finais.
E para você que apesar de tudo ainda acha que eu sou apenas um ranzinza idiota, fica a sua disposição a área de comentários deste humilde receptáculo virtual onde você pode tomar a liberdade de tornar público o quão generosos são os seus sentimentos acerca da minha pessoa.
Um abraço a todos e até a próxima aqui no Ninho da Mente.